Dissociação no Transtorno de Personalidade Borderline (TPB): Quando a Mente Desconecta Para Sobreviver
- Gleidna Santos
- 8 de abr.
- 4 min de leitura

A dissociação é conceituada como um fenômeno psicobiológico caracterizado por uma descontinuidade na integração normal entre consciência, memória, identidade, percepção e comportamento (Spiegel et al., 2011). Enquanto episódios leves de dissociação, como devaneios ou lapsos de atenção, são comuns na população geral, dissociações intensas e recorrentes sob estresse estão frequentemente associadas a transtornos mentais, como o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) (Lanius et al., 2014).
Estudos indicam que entre 75% e 80% dos indivíduos com TPB relatam sintomas dissociativos induzidos por estresse (Korzekwa et al., 2009). Esses sintomas são considerados marcadores importantes de desregulação afetiva e estão comumente associados a eventos traumáticos precoces.
Sintomatologia Dissociativa no TPB
As manifestações dissociativas podem variar desde formas brandas, como devaneios ou desatenção temporária, até estados mais graves de despersonalização, desrealização, amnésia, confusão ou alteração de identidade (Lyssenko et al., 2018). A seguir, são descritas suas principais expressões clínicas:
Despersonalização: sensação de distanciamento do próprio corpo ou da própria experiência, como se o sujeito fosse um observador externo de si mesmo (Sierra & Berrios, 1997).
Desrealização: percepção alterada do ambiente externo, que pode parecer irreal, estranho ou artificial.
Amnésia dissociativa: lapsos significativos de memória, frequentemente relacionados a eventos traumáticos, que podem durar de minutos a dias (APA, 2013).
Confusão e alteração de identidade: dificuldade em definir o self, podendo levar à vivência subjetiva de múltiplos “eus” ou papéis comportamentais divergentes (Putnam, 1997).
Tais fenômenos são mais comuns em pacientes que sofreram experiências traumáticas na infância, incluindo abuso físico, sexual ou negligência emocional (Dalenberg et al., 2012). A dissociação é entendida, nesses casos, como uma resposta adaptativa à sobrecarga emocional, funcionando como um mecanismo protetivo de desligamento (van der Hart et al., 2006).
Evidências Neurobiológicas da Dissociação
Avanços em neuroimagem funcional revelam padrões neurológicos específicos associados à dissociação em pacientes com TPB. Dados de ressonância magnética funcional (fMRI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) apontam para uma hiperativação do córtex pré-frontal medial, concomitante à hipoativação de estruturas límbicas, como a amígdala e o hipocampo, sugerindo uma tentativa de inibição top-down da resposta emocional (Lanius et al., 2014; Krause-Utz et al., 2017).
Essas alterações refletem a dificuldade desses pacientes em integrar memórias emocionais traumáticas à narrativa autobiográfica, o que contribui para os sintomas dissociativos observados clinicamente.
Tratamento da Dissociação no Contexto do TPB
A abordagem terapêutica mais validada para o TPB com sintomas dissociativos, a Terapia Comportamental Dialética (Dialectical Behavior Therapy – DBT). Dentre seus componentes, destacam-se os módulos de mindfulness e regulação emocional, que promovem o reconhecimento e a ancoragem no momento presente, reduzindo significativamente os episódios dissociativos (Harned et al., 2012). Técnicas como grounding, que utilizam estímulos sensoriais para promover reconexão com o aqui-agora, são essenciais no manejo imediato da dissociação. Estratégias simples como segurar um cubo de gelo, cheirar um limão ou observar detalhes visuais do ambiente podem atuar como "âncoras sensoriais", restabelecendo a integração psicocorporal.
Considerações Diagnósticas
Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5), além do TPB, outras condições psiquiátricas podem apresentar sintomas dissociativos, como o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), a Amnésia Dissociativa e o Transtorno de Despersonalização/Desrealização (APA, 2013). A diferenciação diagnóstica é crucial para garantir intervenções precisas e efetivas.
Se você reconhece em si ou em alguém próximo sintomas como lapsos de memória, sensação de irrealidade, dificuldade em manter uma identidade estável ou episódios de despersonalização, é fundamental buscar ajuda especializada. O DBT Paraná é um centro de referência no Brasil no tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline e na aplicação da DBT, oferecendo acolhimento, avaliação precisa e intervenções baseadas em evidências científicas.
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Referências
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